segunda-feira, 15 de julho de 2013

Educar-lutar


EDUCAR-LUTAR 
A história não espera. Não tem pena de quem tem necessidades e lutas a vencer, segue em frente com sua realidade por demais concreta para ser ignorada. Mas parece que algumas pessoas não andam no ritmo dos acontecimentos, não olham para além da burocracia imposta, não percebem que o instante histórico requer cautela e análise antes de assumir o discurso institucional, pois vivemos um momento produtivo e que segue em uma longa caminhada até uma mudança maior de nossa sociedade.
A construção da democracia plena não se faz a partir do topo da pirâmide, requer sim um fortalecimento da base para que seja realmente representativa das demandas populares.
Enquanto estudantes sonhamos com a efetivação de nossa formação, queremos trabalhar na profissão que escolhemos, enquanto trabalhadores encontramos a dura realidade do cotidiano da exploração e da alienação e desejamos encerrar nossa caminhada em uma aposentadoria no mínimo digna e algum reconhecimento no bolso, o capitalismo impõem uma vida insensível ao nosso trabalho, muitas vezes colocando umas categorias de trabalhadores contra as outras, beneficiando umas em detrimento das outras, reforçando a lógica do distanciamento e valorização diferenciada entre o trabalho intelectual e braçal, entre outras táticas. 
O que os trabalhadores, estejam eles no estágio que estiverem de maior ou menor efetivação de sua condição profissional, não percebem é que todos estão sob o poder coercitivo e metabólico de um mesmo sistema que manobra e suprime nossas reais necessidades a cada passada: o capitalismo. Na Universidade, esses micro poderes, ficam bem visíveis em uma espécie de jogo de vaidades onde a importância do estudante é muitas vezes esquecida, principalmente, quanto a sua necessidade de ocupar espaços para além das salas de aula, laboratórios, vagas nos estacionamentos e quartos nas Casas dos Estudantes.
Essa negação a ampliação de espaços aos estudantes se dá também nas lutas históricas pela paridade nas eleições, nas discussões de reformas curriculares, etc. 
Qual espaço ocupamos afinal? Qual a real de importância de um estudante dentro de uma instituição educacional como a Universidade Federal do Rio Grande do Sul?
Parece ironia questionar a importância dos educandos em um instituição educacional, mas a história e o momento que o movimento estudantil vem vivendo dá sentido a essas considerações. A Ocupação FACED surge como um fortalecimento da voz do estudante dentro da Universidade, e como ex-estudante da FACED e ex-gestão DAFE-Portas Abertas em 2003, junto aos camaradas do Coletivo Alternativa Autogestionária, trago meu apoio a todos que fazem parte da Ocupação.
O espaço da Ocupação, faz parte do prédio da Faculdade de Educação, onde antes funcionava um Café, portanto, este é um espaço pertencente a uma instituição pública, mas que estava sendo usado para um fim privado. Não é de recente o uso deste espaço por empresas privadas de alimentação, reforçando a relação público-privadas dentro das Universidades públicas brasileiras, onde a despeito de mal uso dos espaços públicos, sucateamento e redução de espaços de convívio público e gratuitos, os gestores da universidade vem efetivando acordos, cedências, licitações que prejudicam o caráter público da Universidade. 
O espaço destinado ao Diretório da Faculdade de Educação - DAFE é o símbolo da importância dada ao estudante deste curso. No início de 2003, na Gestão UFRGS Portas Abertas, a então direção, “fechou” duas portas da sala do DAFE, que possibilitavam a comunicação dos estudantes, convivência e festas, sem passar pela porta principal do prédio, fechando também as duas únicas outras saídas existentes do prédio. A alegação foi de que as portas deixavam o prédio inseguro. Inseguro? Após o fechamento o prédio ficou com apenas uma saída e mesmo questionando a posição da direção da Faculdade quando a segurança em caso de emergências a então gestão do diretório não foi ouvida.
Nas gestões seguintes as pressões pela redução do espaço só aumentaram, primeiro com um projeto de banheiro de funcionários dentro do espaço do Diretório, depois com uma cozinha. Movimentos que demonstram a preocupação dos gestores em apoiar a militância estudantil. 
A luta por espaços realmente públicos dentro da UFRGS não é mero territorialismo, mas a busca pela manutenção e afirmação da coisa pública, é a garantia da educação pública em todos os seus âmbitos, do ensino formal a convivência, mas principalmente, o fortalecimento à luta contra os avanços do setor privado sobre o público.
Hoje a Ocupação FACED, legítima em sua práxis, legítima em sua luta, dá força para as ações políticas do movimento estudantil, trabalhista, popular em geral, assim como faz a Ocupação da Câmara de Porto Alegre. Deixo, portanto, nosso apoio à Ocupação FACED e nossa convocação para que tod@s ajudem com algum mantimento ou artigo de higiene para que ela siga firme até ser ouvida naquilo que revindica.

Fabiana Mathias - 
Professora da rede municipal de ensino, ex-estudante de Pedagogia UFRGS, ex-integrante da gestão DAFE-Portas Abertas-2003/UFRGS
Atual militante do Coletivo Alternativa Autogestionária

domingo, 7 de julho de 2013

Os dilemas das mobilizações brasileiras


 No mês de junho, o Brasil se transformou no palco mais recente das mobilizações mundiais. Milhares de pessoas saem às ruas para manifestar o seu descontentamento. O movimento começa pelas principais cidades e se espalha por todas as capitais. Atualmente, até pequenas cidades do interior tem sediado diversas manifestações. Muitos afirmam que o “gigante acordou” Mas quem é esse gigante e o que ele quer?

O pioneirismo porto-alegrense

O primeiro que devemos perguntar é de onde surgem estas manifestações. A mídia burguesa e alguns partidos políticos tentam afirmar que esta vem do espontaneísmo das ruas. Esta é apenas parte da verdade. O que falta afirmar é que estas mobilizações são decorrentes de outras que vinham gestando este movimento.
As eleições municipais de 2012 foram marcadas pelo esvaziamento de projetos de cidade. A maioria dos partidos assumiram o discurso do bom gestor despolitizando a eleição. Em paralelo a isso, os problemas da cidade começam a ser discutidos por outros atores organizados. Entre eles devemos citar o movimento “Massa Crítica” que questiona o espaço dos carros na cidade e exige a construção de ciclovias; o movimento contra a remoção dos moradores em áreas de obras da Copa do Mundo (que em 2014 será no Brasil) e o movimento “Defesa Pública da Alegria” que luta contra a privatização de espaços públicos (praças, largos e outros pontos da cidade que estão sob controle de empresas privadas).
Passada a eleição, a prefeitura de Porto Alegre atende uma nova solicitação de aumento das passagens de ônibus. Junto a isto, o prefeito José Fortunati e seu vice decidem cortar várias árvores de um passeio público para a ampliação de uma avenida. Esta obra faz parte das chamadas “obras da Copa”. Iniciou-se então um movimento contra o aumento da tarifa de ônibus. O movimento de crítica a esta política começou tímido, com pequenas manifestações, foi tomando corpo através das redes sociais até chegar a contar com mais de dez mil pessoas. A vitória veio com a decisão da justiça de suprimir o aumento.
O resultado de Porto Alegre se espalhou pelas principais capitais do Brasil. Em São Paulo e Rio de Janeiro foram organizados vários protestos contra o aumento da passagem de ônibus que obrigaram os governos a recuar e, em alguns casos, até a diminuir o valor da tarifa cobrada.
À medida que esta primeira reivindicação começava a ser atendida, as manifestações começaram a receber novas pautas de reivindicação. Algumas inclusive muito amplas como saúde e educação. A pauta que era direcionada aos governos locais começa a tomar outra dimensão e questionar governadores e a presidente do país.
A disputa dos conservadores
No início das manifestações, a reação da mídia capitaneada pela Rede Globo foi a de desmoralizar as manifestações. Quando estas se tornaram massivas e a mídia já não podia negar o seu apelo popular, houve uma mudança na linha editorial das tevês e jornais. Os mesmos começaram a defender as manifestações e criticar as ações mais duras da polícia. Assim começou a tentativa de levar aos manifestantes pautas mais conservadoras, entre elas se destacam a diminuição de impostos e o fim da corrupção. A primeira, sem qualquer conteúdo de classe é uma bandeira dos empresários, a segunda, esconde o verdadeiro motor da corrupção que é o próprio capitalismo.
Esta onda conservadora teve uma repercussão imediata nas manifestações. Estas foram tomadas por bandeiras verde-amarelas, cantava-se o hino nacional. Os mesmos manifestantes que exigiam uma manifestação sem violência hostilizavam os manifestantes que levavam bandeiras de partidos, movimentos ou centrais sindicais. Houve até uma infiltração de grupos de extrema-direita que identificavam e perseguiam os militantes de esquerda.
O surgimento desta violência direcionada à esquerda levou os militantes de diferentes organizações a perceber que estávamos num momento delicado. Se por um lado as manifestações de rua estavam provando que tinha se quebrado o encanto de dez anos de governo do PT, também demonstravam que a direita estava organizada e podia levar para si os créditos das mobilizações populares.
Criou-se nas últimas semanas uma política do medo, principalmente disseminada via redes sociais, em que se afirmava que o movimento das ruas havia sido tomado por fascistas, nazistas e militantes de direita, em geral, para depor o governo PT, da presidente Dilma. Falava-se tanto de um Golpe da Direita, quando de um Golpe Militar. Havia na internet páginas que “indicavam” isso, desde a do próprio Partido Militar Brasileiro, em que aparecia um candidato a presidência e pesquisa sobre possíveis candidatos, até a postura da mídia diante das manifestações, principalmente, da Rede Globo de Televisão, que interrompeu sua programação para dar sua versão sobre o que estava acontecendo no país. Quem lia as postagens acreditava que a esquerda havia sido escorraçada pelo movimento da direita que crescia nas ruas.
A crise do capitalismo vem nos acompanhando por muitos anos e os países aonde antes parecia não haver impacto, como diziam seus governantes, já sentem a extensão do problema, e certamente o impacto tem sido, como sempre, com maior intensidade nas camadas mais pobres da sociedade. Sim, o Brasil também sente a crise do capitalismo embora muitos jornais internacionais, antes destas manifestações faziam crer que aqui estava tudo muito bem política e economicamente e tenham recebido com surpresa as manifestações de insatisfação da população. Compreende-se então, diante deste quadro, por que é tão grande a aprovação e adesão da população às manifestações.
A polícia brasileira, que a muito serve para manter os conservadores na disputa, parece estar sofrendo cada vez mais de uma espécie de Síndrome de Estocolmo, aquela em que um vítima pode desenvolver emocionalmente, após um sequestro, assalto, violência qualquer, uma espécie de identificação com seu algoz, defendendo este a qualquer preço. No caso da polícia brasileira nos parece que esta Síndrome vem se desenvolvendo em larga escala, pois sendo entre a categorias de trabalhadores ela uma das mais exploradas no país mesmo assim esta permanece firme em defesa do governo e dos interesses dos grandes empresários. Em Porto Alegre, na marcha de 20 de junho, o que se viu foi o oprimido defendendo um dos aparelhos de manutenção da sua opressão. Dezenas de policiais militares foram deslocadas para proteger específicamente o prédio da RBS de manifestantes que nem tiveram muitas chances de se aproximar para gritar palavras de ordem. Para quem não sabe o que é RBS, não é um órgão do poder público, mas um Grupo de Telecomunicações, criado em 1957, afiliado da Globo, que possui o um grande número de veículos de comunicação conservadores de ampla circulação no sul do país: desde o jornal Zero Hora, Diário Gaúcho, até televisão local como TV Com, rádios como Rádio Rural, Atlântida, Itapema, entre muitas outras, formando quase um monopólio da informação.
Entretanto, a realidade está muito além do que as mídias tentam fazer a população crer e a história das mobilizações no Brasil tem se construído a cada dia de modo inesperado.

A recomposição da esquerda

Este cenário fez com que diversas organizações de esquerda como os anarquistas, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), o Partido Comunista Brasileiro (PCB) e muitos outros junto com movimentos sociais fizessem um acordo nacional para atuar nas ruas de forma unificada, levando às suas bandeiras e palavras de ordem. No dia 24 de junho a esquerda conseguiu disputar as manifestações para o campo popular.
No dia 24 de junho, o que se viu via redes sociais, não foi mencionado pelas mídias televisivas que focaram suas atenções nos roubos pela cidade. Neste dia ocorreu uma quebra no discurso de quem o movimento era apartidário, anti-partidário, contra movimentos sociais, uma vasta organização da esquerda, que se uniu por seu direito a manifestar-se e propor um eixo de lutas que realmente podem modificar a situação do país levou um número imenso de pessoas paras ruas. Várias pessoas estavam com bandeiras, faixas e cartazes representando suas organizações políticas.
Pela mídia vemos um quadro simplificado do que realmente está acontecendo no Brasil, de um lado dizem eles existem aqueles que são os verdadeiros manifestantes, que gritam por paz e levam flores aos policiais, do outro, os “vândalos” aqueles que quebram prédios do Poder Público, que querem mais que gritar contra corrupção, que é uma pauta óbvia, que picham frases de ordem, se defendem dos desmandos da polícia, mas também contra-atacam. No meio disso tudo, em muitas cidades vem acontecendo saques e depredações. E como a mídia lê os saques? Na verdade não lhes interessa fazer uma leitura disso, pois os saques são um reflexo das imposições do capitalismo, são resultado do fetiche da mercadoria. Em cada foto tirada, em cada vídeo, as pessoas que investiam contra lojas ou bancos, queriam destruir aqueles símbolos da exploração, conscientes ou inconscientes do que faziam, mostravam ódio, ansiedade, angústia, necessidade. Haviam sim ladrões e isso pode ocasionar uma análise apressada se não formos mais atentos, porém as ações de roubo e fúria tem uma leitura mais ampla que esta. Os roubos foram de objetos que não eram essenciais a vida: televisores, eletrodomésticos, chocolates, peças de carros, chicletes, revistas, livros...Eles queriam consumir. Como podemos ler isso senão os marginalizados querendo tomar aquilo que lhes é negado em cada dia de trabalho alienado ou desemprego? Como podemos ler isso?
Essa manobra de criar um simples dualismo, busca criminalizar a tudo e a todos que se opuserem ao Estado ou a ordem do capitalismo. No dia 21 de junho, por exemplo, a Federação Anarquista Gaúcha denunciou que uma sede do Movimento Anarquista, o Ateneu Libertário, foi invadida por policiais sem nenhuma ordem judicial. Onde está o direito a livre expressão política? Que país democrático é este? A democracia no Brasil é uma mentira que agora fica mais clara que nunca.
A união da esquerda, a ampliação das manifestações pelo Brasil, o surgimento de mobilizações nas periferias a despeito da opressão policial ser mais violenta lá do que nas zonas centrais das cidades (no Complexo da Maré, Rio de Janeiro, foram 9 morto, depois da manifestação quando o BOPE, entrou lá no dia 24 de junho), a consolidação de uma pauta que busca os direitos reais da população, a atenção dos governos que vem retomando textos normativos que eram importantes para a garantia de direitos, após perceberem a dimensão das manifestações, constituem um ótimo ritmo de caminhada para um destino ainda por se construir em cada luta, em cada ocupação de espaços, em cada articulação.
As manifestações são necessárias e não acabarão diante da redução de uma tarifa, ou de um direito qualquer afirmado, é necessário que dêem mais resultados e acorde as pessoas contra a exploração, a opressão, e principalmente, contra o principal culpado pela situação social, política e econômica do país e do mundo: o capitalismo.

Coletivo Alternativa Autogestionária/Brasil/RS

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